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Por um Partido Revolucionário da Classe Trabalhadora - Tese ao VII Congresso do PSOL/SC

Centralidade do Trabalho – maio de 2021

A Crise Capitalista em Santa Catarina

 

O abismo social que se aprofunda em todo o Brasil parece ser um bom negócio para a classe dominante catarinense. Afinal, o elogio ao “menos pior” é seu grande recurso ideológico para tentar isolar o estado da miséria nacional. Onde quer que se olhe, a discussão não se pauta pelos problemas de Santa Catarina, mas sobre como o “estado empreendedor” se destaca por não ser tão miserável quanto o restante do Brasil. Isso não quer dizer, naturalmente, que não haja particularidades nas lutas dos trabalhadores catarinenses, mas que elas só podem ser travadas pelo devido diagnóstico de suas causas sistêmicas.

 

Ora, o cenário “relativamente melhor” de Santa Catarina não evitou que o estado sofresse com as mesmas tendências de crise e de acelerada degradação das condições de vida observadas a nível nacional. Também aqui, a última década foi marcada por elevação do desemprego, encarecimento do custo de vida, estagnação da renda e queima da poupança das famílias, aceleração do desmonte dos serviços públicos e do que restou do sistema de proteção social. Da mesma forma, o estado foi igualmente atingido pelos impactos da crise capitalista que foi agravada (embora não estritamente provocada) pela pandemia da Covid-19.

 

Sequer o orgulho industrialista da burguesia catarinense tem resistido à conjuntura. Com o contínuo rebaixamento da posição do Brasil na divisão internacional do trabalho e a nova rodada de deterioração do mercado interno, a indústria catarinense acumulou uma queda de 4,5% ao longo de 2020. Os ônus dessa crise, como de costume, são transferidos aos trabalhadores. Além dos empregos perdidos pela quebra das pequenas e médias empresas, as empresas maiores viram no cenário de calamidade uma excelente oportunidade para impor seus desígnios – seja na forma do trabalho remoto, da extensão das jornadas de trabalho, da intensificação dos ritmos de trabalho ou mesmo da eminente exposição à contaminação pelo novo coronavírus. É sobre essas bases, por sinal, que se rearticula a burguesia catarinense, apostando cada vez mais em setores exportadores e altamente especializados, tendo na agroindústria seu maior expoente.

 

Assim, os trabalhadores catarinenses enfrentam uma dura realidade tanto por não encontrarem trabalho, quanto pelas condições impostas àqueles que conseguem uma ocupação. De acordo com os dados da PNAD Contínua, Santa Catarina perdeu 220 mil postos de trabalho ao longo de 2020. Com isso, o desemprego oculto (desempregados, subocupados e aqueles que desistiram de procurar trabalho) atingiu níveis inéditos no estado, superando os 10%; e a massa salarial recebida pelos trabalhadores catarinense caiu 6%, sendo maior o impacto justamente entre aqueles que recebiam até dois salários mínimos. Soma-se a isso o cenário de encarecimento do custo de vida, puxado por uma inflação que também pesa mais sobre a classe trabalhadora, por estar concentrada nos alimentos e no gás de cozinha, por exemplo.

 

Tudo isso em conjunto, certamente, ampliou o quadro de fome e miséria em Santa Catarina, que já em 2017 contava com cerca de 330 mil domicílios em condição de insegurança alimentar. Por fim, a ofensiva da classe dominante local contra os trabalhadores também ficou clara na pressão contra as medidas de distanciamento social, o que contribuiu enormemente para a franca disseminação da Covid-19 no estado, que conta hoje com o 4º maior número de óbitos per capita do país, com cerca de 14 mil vidas perdidas em pouco mais de um ano.

 

Decorre assim, do momento atual, três tendências de desenvolvimento da conjuntura brasileira e catarinense para os próximos anos: 1) estagnação da economia; 2) centralização de capital mediante, por um lado, ampliação dos lucros monopolistas e, por outro, falência de setores do capital – especialmente aqueles que empregam maior volume relativo de trabalhadores; e 3) continuidade da ampliação do abismo social – desemprego, baixa de salários, pobreza, violência, fome, etc. – permanecendo todas as formas de agressão contra a classe trabalhadora – manutenção das contrarreformas.

 

A política e o Estado catarinense no atendimento da elite empresarial

 

Somados os efeitos de mais de uma década de degradação continuada das condições de vida, não é de se admirar a eleição do capitão Messias em 2018, com seu fajuto discurso redentor de que viria “mudar tudo que está aí”. Discurso que, de forma contraditória, expressa duas facetas da miséria em que a população brasileira se encontra. Por um lado, expressa a miséria de uma classe trabalhadora degradada por anos de sofrimento e sem encontrar uma perspectiva organizada de esquerda com caráter revolucionário e socialista. Por outro lado, expressa um legítimo grito de indignação de uma população que não aguenta mais, cotidianamente, ser privada da riqueza que ela mesma produz. Enquanto vê os políticos tradicionais banqueteando com os bilionários, sente na pele o sofrimento de ver sua família passar fome. “Mudar tudo que está aí”, essencialmente no âmbito do ataque à propriedade privada capitalista e em defesa dos interesses dos trabalhadores, portanto, deve ser o centro de qualquer programa partidário que pretenda, de forma séria, representar os anseios da classe trabalhadora na próxima década.

 

Puxados pelo estelionato eleitoral de Bolsonaro, que muito prometeu e até agora nada cumpriu, Santa Catarina elegeu seu governador Carlos Moisés e sua vice Daniela Reinehr. Inicialmente, para vencer as eleições, ambos andavam de mãos dadas como representantes locais do presidente, entretanto, após mais de dois anos de paralisia e incapacidade de resolver qualquer problema real do nosso estado, o conflito entre governador e vice rendeu o afastamento do primeiro e a posse da segunda.

 

A tarefa da dupla, no entanto, não era fácil. Aliados como estão às elites empresariais, sua margem de realizar efetivas mudanças na sociedade catarinense simplesmente não existe. Ao contrário de “mudar tudo que está aí”, Moisés iniciou seu governo dando continuidade à política montada desde há décadas no estado, que faz de Santa Catarina um paraíso para o grande capital e uma frigorífico de moer gente para a classe trabalhadora.

 

Desde, no mínimo, 2002 o assalto às contas públicas por parte dos monopólios empresariais é o pilar fundamental de articulação entre as elites econômicas locais e seus operadores políticos. Ano após ano, foram sendo criados programas de suposto incentivo à geração de empregos por meio das famigeradas renúncias fiscais. Em 2020, dois anos após a “mudança”, estimou-se uma renúncia fiscal de em torno de R$ 5,5 bilhões. Esta cifra significa quase 20% da receita total corrente do estado. O rol das renúncias, por sua vez, aponta que quase 80% delas são destinadas a apenas três segmentos da economia: agroindustrial, têxtil e importador. Justamente aqueles de maior taxa de monopolização.

 

Assim sendo, sem destruir o pilar da farra das elites econômicas, todas as promessas de mudança do governador ruíram e a mínima base social que ele poderia ter se arrebentou de cima a baixo. Por um lado, manutenção do alto desemprego e continuidade do arrocho salarial de mais de 5 anos dos servidores públicos foram a tônica de seus dois anos de governo, portanto, incapacidade de manter qualquer apoio popular. Por outro lado, seu distanciamento do presidente, na tentativa de se apresentar enquanto político moderado, lhe custou a oposição da própria vice e de uma significativa base parlamentar, além, é claro, da intervenção direta dos órgãos federais nas investigações contra o governador.

 

Desta forma, tão veloz quanto a ascensão do novo governador, foi a sua queda. O comandante Moisés não teve o comando de Santa Catarina em absolutamente nenhum momento desde que assumiu. Teve o seu suposto poder corroído de dentro e de fora do governo. Entrou em seu lugar, ao menos momentaneamente, a bolsanarista puro sangue, Daniela Reinehr. Que, por sua parte, continua todas as medidas de ataque contra os trabalhadores.

 

A governadora fecha 2020 com um o maior superávit das contas públicas de Santa Catarina nos últimos anos – R$ 1,86 bilhões. Economia feita sobre o bolso dos servidores públicos, que viveram mais um ano de congelamento salarial. Mas também por conta do não pagamento dos juros e encargos da dívida pública catarinense, que deixaram de ser cobrados pela União como forma de liberação de recursos para o combate à Covid-19. Recursos que, de forma criminosa, não foram gastos pelo governo do estado, contribuindo para as mortes de milhares de catarinenses.

 

De forma reveladora e acachapante, não resta dúvidas, tanto as expressões moderadas quanto as agressivas da direita, no que tange os interesses das elites empresariais, seguem a mesma cartilha contra os trabalhadores. Portanto, construir a representação política revolucionária dos trabalhadores passa a ser a tarefa central para superar essa impressionante unidade da burguesia, mesmo em meio às aparentes mudanças de governantes.

 

Diante disso, nenhuma confiança pode ser depositada na possibilidade de mudar esse quadro com base em acordos com a burguesia. Ela é a principal interessada em manter essas tendências em desenvolvimento. Também não há que alimentar nenhuma ilusão na forma política parlamentar, como se esta pudesse alterar a atual correlação de forças desfavorável à classe trabalhadora. A energia de um partido que queira realmente incidir na realidade em favor da construção da revolução e do socialismo, portanto, deve se dar na necessidade de mobilização, organização e politização da classe trabalhadora.

 

A necessidade de um partido revolucionário

 

Os partidos burgueses não podem explicitar o seu caráter de classe sem com isso se colocarem abertamente contra os interesses da classe trabalhadora. Por isso, são obrigados a dissimular constantemente as suas reais intenções se apresentando como os representantes de toda a população. Que os partidos burgueses se camuflem sob a defesa abstrata dos interesses do “povo”, e assim, para o seu benefício, confundam os antagonismos de classe aos olhos dos trabalhadores, é um fato constitutivo do jogo de cena que sustenta a dominação burguesa sob a democracia liberal.

 

Mas que os partidos de esquerda hoje se rebaixem a fazer o mesmo, que se coloquem em defesa do “povo”, da “democracia”, e etc., que se abstenham de demarcar a cada momento a linha que cinde a sociedade em burgueses e proletários, de firmar a independência política e de classe dos trabalhadores diante dos partidos burgueses, de reiterar em cada discurso os objetivos históricos do proletariado enquanto classe revolucionária, tal fato é um indicativo iniludível da capitulação desses partidos à ordem dominante. Agindo dessa forma, os partidos de “esquerda”, com o PT à cabeça, cumprem hoje uma importante função para a conservação, legitimação, e defesa do atual sistema político burguês; eles são a oposição consentida da Nova República.

 

Infelizmente, não restando espaço para ilusão, o próprio PSOL tem sido progressivamente hegemonizado pelas políticas oportunistas de conciliação de classes e pela crença na possibilidade de efetuar alguma mudança em prol das classes populares pela via parlamentar e institucional. Por um lado, deu guarida às ideologias que retiram a classe operária do centro da luta política; por outro, submete cada vez mais a luta de classes aos limites da disputa partidário-eleitoral. Como resultado, a notória degeneração do partido se encontra em acelerado passo nas mãos da sua atual direção ao insistir na política de submergir o PSOL à hegemonia petista e ao mais rebaixado cretinismo parlamentar. Frente ao seu VII Congresso, o PSOL se encontra em uma encruzilhada; precisa definir que partido pretende ser. E, a julgar pela sua trajetória recente, por suas forças majoritárias, e pelo próprio formato do seu Congresso, a resposta tende a ser: mais um partido da ordem.

 

Por seu lado, o caráter político que inevitavelmente assume a luta de classes obriga o proletariado a se organizar como partido. O próprio processo de elevação da sua consciência de classe e, no limite, da sua consciência socialista, é o mesmo processo de organização da vanguarda da classe como partido revolucionário. Contudo, esse partido não existe hoje no Brasil. Todas as grandes forças institucionalizadas do atual sistema partidário brasileiro, da direita à esquerda, obstaculizam ativamente qualquer possibilidade de a classe trabalhadora representar-se a si mesma de maneira independente na arena da luta política. Sendo assim, é condição necessária para a formação do partido revolucionário, antes de tudo, um enfrentamento contra as forças políticas que, sob a máscara da esquerda, refreiam ativamente essa organização.

 

É necessário, dessa forma, uma luta prolongada e implacável contra o progressismo, o social-liberalismo, o pós-modernismo, e qualquer outra ideologia ou tendência burguesa no seio dos partidos que detém influência sobre a classe trabalhadora. Com oportunistas e liberais como seus representantes, a organização dos trabalhadores é impossível. Por isso, diante das velhas novidades requentadas pela ideologia burguesa, reafirmamos o marxismo como a única teoria verdadeiramente revolucionária, a única verdadeiramente capaz de mapear o capitalismo, de abrir ao proletariado o horizonte socialista, e de fornecer a arma da crítica necessária para a sua organização com vistas a esse fim.

 

Em um momento em que o espectro do comunismo volta a rondar a cena política, seja como pecha infamante proferida pelos políticos reacionários, seja como fetiche incrédulo por parte da esquerda liberal, faz-se necessário uma vez mais que os comunistas exponham abertamente, aos olhos de todos, as suas posições e seus objetivos. E, na atual conjuntura, as tarefas que os comunistas colocam para si consistem em denunciar a cada passo o oportunismo da esquerda liberal, em por a descoberto o antagonismo inconciliável entre os trabalhadores e os capitalistas, e em tematizar constantemente a necessidade da classe trabalhadora, diante das inexoráveis lutas contra a exploração capitalista, se organizar enquanto partido revolucionário.

 

O combate ideológico, no âmbito das vanguardas políticas partidárias e sindicais se faz fundamental para transformar esse refluxo momentâneo das lutas, intensificado pela própria pandemia, em um momento profícuo de preparação de uma grande contraofensiva revolucionária da classe trabalhadora. Tal como um refluxo da maré está apenas a preparar o avanço subsequente, que os comunistas possam atuar decididamente hoje para se apresentar como a direção consequente do próximo momento de ascensão da luta de classes.

 

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