Enquanto todos os olhares estavam voltados para a CPI da Covid-19, outra movimentação determinante ocorria no Senado. No último dia 17 de junho, por 42 votos favoráveis e 37 contrários, o Senado aprovou a Medida Provisória MP 1.031 que abre portas para a privatização da Eletrobras – Centrais Elétricas Brasileiras.
Trata-se de empresa idealizada em 1954, ainda no governo de Getúlio Vargas, mas com sua criação viabilizada apenas em 1962. A proposta inicialmente concebida seguia o “espírito” desenvolvimentista que também originou outras estatais (Petrobras, CSN, Vale do Rio Doce, entre outras) para impulsionar os setores industriais no território brasileiro.
Após a aprovação no Senado, dado os acréscimos de emendas pelos senadores, a MP transmutou-se em Projeto de Lei de Conversão e a proposta privatizante do governo Bolsonaro e Paulo Guedes retornou para novo aval da Câmara dos Deputados. Em vista de que data limite em que a medida perde a sua validade seria o dia 22 de junho, em sessão extraordinária, no dia 21 de junho, a Câmara aprovou o texto-base por 258 votos favoráveis, 136 contrários e 5 abstenções, para ser agora sancionada em lei por Bolsonaro.
A aprovação em votação relativamente apertada no Senado em nada se atribui aos interesses pela manutenção do controle estatal de uma empresa estratégica, com capacidade de contribuição ao fomento do desenvolvimento nacional autônomo e soberano, mas se deve a disputas no próprio seio da burguesia. Até mesmo a fração industrial da burguesia expôs publicamente divergências sobre a MP 1.031.
Enquanto federações das indústrias de São Paulo e Rio de Janeiro, FIESP e FIRJAN, entidades representativas nos dois estados com grande peso do setor industrial, manifestaram contrariedade com a forma da privatização proposta no texto da MP, estimando elevação de custos aos consumidores, evidentemente, incluído os custos à produção industrial, em até R$ 400 bilhões no prazo de 30 anos, a Confederação Nacional da Indústria – CNI deu seu aval integral ao texto da MP.
A maior parte da mídia empresarial nacional, simbolizada nas organizações Globo, Grupo Folha, Estadão e outros conexos, repercutem críticas à MP e às alterações incorporadas por meio das emendas parlamentares. Recorrem a supostos “especialistas” para a afirmarem que a proposta é eivada de obrigações de alto custo ao eventual adquirente privado da Eletrobras (por exemplo: construção de termelétricas à gás e de gasodutos que permitam transporte de gás para supri-las), podendo inclusive inviabilizar uma mais apressada privatização da empresa.
Em dissimulação, essas empresas de mídia em seus noticiários tergiversam sobre esse interesse de minoração de custos ao adquirente da empresa com o argumento, ainda que verdadeiro e realista, de que o consumidor doméstico pagará a conta do custo das obrigações acrescentadas ao processo de “capitalização” da Eletrobras, quando na verdade preocupam-se com eventuais contratempos à mais imediata privatização da principal empresa do sistema elétrico brasileiro – sem riscos aos pretensos adquirentes. O desejo é a verdadeira pilhagem dessa estratégica empresa brasileira, assegurando mecanismos de maior acumulação capitalista.
Adaptado e incutido ao caráter periférico e dependente do Brasil na lógica global do capitalismo, o governo Bolsonaro, orientado economicamente por Paulo Guedes, acolhe sem acanhamento os interesses burgueses mais danosos, colocando no “balcão de negócios” a empresa que detém 50% das linhas de transmissão que cruzam o Brasil de norte a sul e de leste ao oeste, com mais de 76 mil km de linhas, bem como 30% da capacidade de geração energética do país.
Outro agravante imposto pelo controle privado da Eletrobras, do ponto de vista estratégico, é que 91% da geração de energia da empresa tem origem em hidrelétricas (48 hidrelétricas, entre as quais: a parte nacional de Itaipu, Xingó, Tucuruí, Furnas, Belo Monte, Santo Antônio, Jirau, etc.), cujos reservatórios permitem a estocagem potencial de 50% da energia a ser transformada em eletricidade do país, permitindo boa condição regulatória e sustentadora de continuidade do sistema energético brasileiro, com razoável planejamento e sem riscos de grandes variabilidades e quebras instantâneas no sistema.
Com a privatização, toda essa capacidade regulatória e de planejamento poderá ser transferida e empenhada para geração de lucro, provavelmente para empresa estrangeira, absolutamente distanciada de interesses nacionais.
Vale lembrar que o próprio Bolsonaro em 2018 reconheceu que a Eletrobrás era “estratégica” e “vital” para o Brasil, e que “nenhum país sério do mundo” privatizaria um setor como este. O que apenas demonstra como a agenda liberal de privatizações, contrarreformas e ataques contra a classe trabalhadora é inegociável para a burguesia e independe de quem ora veste a faixa presidencial. Demonstra também que, para a burguesia, pouco importa o que ocorre na ala do Senado que discute a condução de Bolsonaro sob a pandemia, sobretudo enquanto o turbilhão da CPI facilitar os trabalhos da ala responsável por realizar a toque de caixa a sua agenda liberal.