A pandemia de Covid-19 acentuou um sintoma predominante em parte significativa da intelectualidade brasileira de esquerda: a ausência de uma análise dos movimentos de acumulação global de capital. Muitas pessoas assumiram a versão burguesa de que estamos vivendo uma “crise econômica provocada pelo novo coronavírus”, o que não é verdade caso se observe com atenção os ciclos do sistema capitalista.
A rigor, os anos de 2018/2019 marcaram o encerramento do ciclo de acumulação de capital iniciado após a crise de 2008, com um recuo de mais de 50% no desempenho da realização internacional de mais-valia. Desde uma perspectiva totalizante e de longa duração, é possível afirmar que o mundo já vinha em uma sequência de instabilidade política e desaceleração econômica. Neste sentido, a pandemia foi responsável por antecipar, expandir e intensificar a eclosão de uma crise que já se gestava no sistema internacional. O que significa que, uma vez que a Covid-19 seja superada, nada indica que a crise o será.
O agravamento da pandemia nos EUA, aliado a um ambiente conjuntural de desemprego galopante, condicionou a vitória eleitoral de Joe Biden. A despeito do frisson gerado em setores da esquerda brasileira é preciso afirmar categoricamente: o novo governo dos EUA não representará qualquer mudança qualitativamente positiva para a América Latina e para o Brasil em específico. Joe Biden iniciou seu governo adiando uma vez mais a retirada das tropas do Afeganistão, promoveu bombardeios na Síria, e a primeira reunião oficial com a China foi atravessada por acusações e impasses. Excetuando-se os simbólicos retornos à OMS e ao Acordo Climático de Paris, mantiveram-se as políticas que já vinham em marcha com Donald Trump.
Especialmente no caso dos trilhões de dólares despejados na economia estadunidense, observa-se que se trata do aprofundamento de um mecanismo que já vem sendo largamente utilizado desde a própria crise de 2008, cujo principal resultado foi ser praticamente todo absorvido pelas bolsas de valores de todo o mundo. Uma inflação de ativos sem precedentes bancada pelo Estado e reeditada sucessivamente, é isto que estamos a presenciar no momento.