O Conselho de Ética da Câmara Federal aprovou na última quarta-feira (11/09) a admissibilidade do processo de cassação do mandato do deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ).
O caso que serviu de pretexto é conhecido. Diante da incessante perseguição e provocação por parte de um infame integrante do MBL, culminando em um episódio no interior do prédio da Câmara Federal, diante dos olhos coniventes da polícia legislativa, onde o meliante, em meio a todo o tipo de insultos, ofendeu a honra da mãe de Glauber (então hospitalizada, e que viria a falecer pouco depois), Glauber reagiu botando o protofascista para correr.
Na ocasião, nós da Centralidade do Trabalho demonstramos por A mais B a correção e justeza da ação de Glauber, e asseveramos que esta ação “forneceu ao campo socialista o exemplo de conduta: na ausência de forças de segurança oficiais do Estado para nos defender, devemos nós, a organização política dos trabalhadores, desempenhar nossa própria força de segurança”[i]. Posição que, ao ensejo, reiteramos: é ingenuidade esperar que o Estado, enquanto instrumento de dominação burguesa, defenda a classe trabalhadora e seus representantes políticos das organizações de extrema-direita que se utilizam de táticas fascistóides de perseguição e intimidação, uma vez que estas se demonstram funcionais à burguesia em sua tentativa de frear, por vias parainstitucionais, qualquer manifestação de radicalismo político pela esquerda.
Retornando agora à sessão da última quarta-feira do Conselho de Ética, devemos sublinhar alguns fatos já denunciados pelas mídias do campo socialista. Em primeiro lugar, sublinhamos a gritante ausência de grande parte da bancada do PSOL que, em uma sessão tão decisiva, poderia engrossar a defesa do mandato de Glauber Braga, mas, em vez disso, de treze parlamentares, apenas três compareceram (Sâmia Bonfim, Chico Alencar, e o próprio Glauber). Ausência esta que, independentemente das justificativas, acabou transmitindo, para dentro e para fora, a mensagem de que a defesa do mandato de Glauber não é prioridade nem para o seu próprio partido.
Na ocasião, Sâmia procedeu a uma excelente arguição contra a cassação, elencando casos escabrosos de deputados de direita (transfobia, espancamento de mulher, apologia ao golpe de Estado, etc.) que sequer tiveram que responder ao Conselho de Ética, deixando evidente que o caso presente não passa de perseguição política. Chico Alencar, componente do Conselho de Ética, também fez o uso da palavra contra a cassação, e computou um dos 2 únicos votos em favor de Glauber, juntamente com Jilmar Tatto (PT-SP), que, apesar do voto, optou por não fazer o uso da palavra.
Decorrente disso, em segundo lugar, sublinhamos também que dos 10 votos em favor da admissibilidade da cassação, 7 vieram de deputados que formam a base aliada do governo, dispondo inclusive de representação na Esplanada dos Ministérios. Vale lembrar também que o PT possui três titulares e três suplentes no Conselho de Ética, dos quais, como mencionamos, apenas um apareceu para dar seu voto. Do que se depreende que o governo não tem interesse em mover palha para a defesa do mandato de Glauber; linha de (in)ação que segue vigente e, mantidas iguais as condições de temperatura e pressão, permanecerá sendo assunto ignorado pelo Planalto.
Resta evidente que, a depender estritamente da correlação de forças dentro de uma Câmara majoritariamente reacionária, agravada pela ausência de apoio por parte do PT e da direção majoritária do próprio PSOL, a tendência natural é que o processo de cassação do mandato de Glauber Braga – o quinto em apenas duas legislaturas, e todos sob o comando de Arthur Lira (PP-AL) – seja levado a cabo.
É lamentável que nesta última sessão do Conselho de Ética, Glauber tenha sido escudado em sua defesa por apenas dois de seus correligionários. É lamentável que figuras públicas do PSOL silenciem sobre esta perseguição, ou, quando saiam em sua defesa, o façam de forma meramente protocolar. É lamentável que o PT esteja mais preocupado em manter suas boas relações com Arthur Lira em nome da governabilidade (no qual é seguido pela direção majoritária do PSOL), do que em se manifestar de forma contundente contra a perseguição política do mandato mais combativo da esquerda, justamente por lutar de forma corajosa e inflexível contra as táticas fascistas da extrema-direita.
Tudo isso é lamentável, mas não é surpreendente. O mandato de Glauber representa uma radicalização política pela esquerda e um resgate necessário das bandeiras de luta da classe trabalhadora, em um partido cuja direção majoritária vem progressivamente se rebaixando à condição de mera base auxiliar da linha petista de colaboração de classes, e se rendendo despudoradamente à lógica burocrática de disputa por cargos institucionais. Não surpreende, portanto, que o mandato de Glauber esteja, lamentavelmente, cada vez mais isolado dentro do seu próprio partido pela direção majoritária.
O resultado disso é que enquanto, por um lado, o mandato de Glauber segue firme em seus princípios, mesmo durante este processo de cassação, se valendo dos espaços institucionais para exercer o papel de tribuno do povo, denunciando a partir de dentro, abertamente, os esquemas coordenados por Arthur Lira no sequestro do orçamento público, por outro lado, começam a cair as máscaras da frente ampla e de seus defensores dentro da esquerda com suas bandeiras eleitoreiras de defesa da democracia e de luta contra o fascismo. Pois, neste momento, qualquer um que professe lutar pela democracia e contra o fascismo, mas que não tenha como uma de suas principais frentes de batalha a defesa do mandato de Glauber Braga, inevitavelmente já “costeou o alambrado”, se rendendo ao oportunismo e ao cretinismo institucional.
Para nós, da Centralidade do Trabalho, a luta contra a cassação do mandato de Glauber possui uma importância maior do que se apresenta à primeira vista. Não se trata apenas de uma desavença política de Lira com Glauber, embora o processo tenha esses dois personagens como figuras centrais. Trata-se antes da forma como ora se manifesta no parlamento a atual fase das lutas de classes. A cassação do mandato de Glauber – o mais inequivocamente classista, o mais ostensivamente socialista – representa o movimento iniludível de fechamento dos espaços da política institucional burguesa para qualquer representação da classe trabalhadora e de suas bandeiras de luta.
Arthur Lira encarna a institucionalização do banditismo político dentro da Câmara, da orgia com o orçamento público, e das negociatas contra o povo. É um personagem contingente nesse processo histórico, lento e gradual, de fechamento do regime burguês. Será lançado ao esquecimento, quiçá pelos seus próprios colegas, quando não conseguir mais cumprir essa função na ofensiva burguesa. Enquanto isso não ocorre, do alto de sua mesa diretora, deixando-se levar por sua húbris, desafia o mandato de Glauber, e paga para ver se ele tem força para resistir ao peso da investida do parlamento burguês organizado.
Glauber Braga, por outro lado, representa hoje um necessário movimento histórico de aglutinação do campo socialista. Seu mandato transcende o próprio PSOL. Está enraizado em movimentos populares, sindicais e estudantis, nas lutas concretas contra a exploração dos trabalhadores e contra todo tipo de opressão, e conta nesta luta com o apoio irrestrito de organizações revolucionárias, dentro e fora do PSOL. E é precisamente na via da mobilização dessa base social, isto é, na ação política coletiva e extrainstitucional, que se encontra a única possibilidade de barrar esse processo de cassação.
A partir da aprovação da admissibilidade do processo, foi-lhe dado 10 dias úteis para apresentar sua defesa, após o que se seguirá um prazo de 40 dias para instrução do processo e coleta de documentos e depoimentos, e, para finalizar, mais 10 dias para o relator apresentar seu parecer final. Este trâmite interno, assim como ocorreu na última sessão do Conselho de Ética, já tem o seu roteiro pré-determinado por Arthur Lira, tendo como desenlace a cassação do mandato de Glauber. A única maneira de mudar esse roteiro será pela interferência do “trâmite externo”.
É exatamente este o período de que dispomos para intensificar uma campanha nacional de mobilização, pressionando os indecisos, os indiferentes e os absenteístas de dentro do PSOL, pressionando o próprio governo Lula e o PT a fazerem valer na prática os seus discursos de defesa da democracia e luta contra o fascismo, e pressionando os intelectuais, artistas e, em geral, todos os segmentos da sociedade a se posicionarem.
Urge elevar esta luta ao primeiro plano do cenário político, urge explicitar o seu caráter de luta de classes! Nos cabe, enfim, aceitar o desafio de Arthur Lira e promover uma medição de forças entre mobilização popular organizada e o parlamento burguês reacionário em defesa deste que é um legítimo mandato da classe trabalhadora!
Fora Lira!
GLAUBER FICA!
* Na próxima quinta-feira (19/09), às 18h, haverá um ato em defesa do mandato de Glauber Braga na ABI, no centro do Rio.
[i] https://centralidadedotrabalho.com.br/nota-de-solidariedade-ao-deputado-federal-glauber-braga/