O aprofundamento do abismo social é a faceta mais evidente que emerge da dinâmica da crise capitalista global no Brasil. O país atualmente conta com quase 38 milhões de subocupados (em torno de 15 milhões de desempregados; e quase 6 milhões de pessoas que deixaram de procurar emprego diante do desanimo acumulado após anos sem colocação no mercado de trabalho). Mesmo para os que permanecem ocupados, ampliam-se os empregos de baixa remuneração, desprotegidos de qualquer legislação trabalhista e social, onde a população brasileira empobrece à olhos vistos.
A fome e a miséria – a insegurança alimentar chega à 55% dos brasileiros – passam a ser a tônica da nação, que aparecem diariamente nas ruas das grandes, médias e pequenas cidades do país. Por fim, nos vemos diante de mais de 400 mil mortos acometidos pela pandemia da Covid-19, número que certamente deve crescer aceleradamente enquanto Jair Bolsonaro permanecer no governo.
Por outro lado, o país continua sendo um celeiro de novos bilionários. O crescimento da renda concentrada nas mãos destes bilionários brasileiros foi de 71% entre 2020 e 2021. Hoje, os 65 bilionários do país concentram R$ 1,2 trilhões. Tal situação não é fruto do acaso, muito menos um efeito exclusivo da pandemia.
A segunda década do século XXI (2011-2020) já se mostra uma nova “década perdida” para a massa da população brasileira. Os dados da média do PIB per capita apontam que a última década é a pior dos últimos 100 anos – uma queda média de 0,6% ao ano. Isso significa que nós brasileiros encerraremos em 2020 um decênio pior do que os anos 80 do século XX – atravessados pela hiperinflação, pela reestruturação produtiva, pelo desemprego estrutural e pela primeira fase das reformas liberalizantes da economia brasileira.
Diante de uma população esgotada após quase uma década de degradação material e moral em sua vida concreta, emergiu o capitão Messias, com seu fajuto discurso redentor de que viria “mudar tudo que está aí”. Discurso que, de forma contraditória, expressa duas facetas da miséria em que a população brasileira se encontra. Por um lado, expressa a miséria de uma classe trabalhadora degradada por anos de sofrimento e sem encontrar uma perspectiva organizada de esquerda com caráter revolucionário e socialista. Por outro lado, expressa um legítimo grito de indignação de uma população que não aguenta mais, cotidianamente, ser privada da riqueza que ela mesma produz. Enquanto vê os políticos tradicionais banqueteando com os bilionários, sente na pele o sofrimento de ver sua família passar fome. “Mudar tudo que está aí”, essencialmente no âmbito do ataque à propriedade privada capitalista e em defesa dos interesses dos trabalhadores, portanto, deve ser o centro de qualquer programa partidário que pretenda, de forma séria, representar os anseios da classe trabalhadora na próxima década.
Isso é fundamental pelo fato de que Bolsonaro, e qualquer governo que se vincular aos interesses do grande capital, não tem qualquer capacidade de resolver a crise capitalista que se aprofunda no país. Decorre do momento atual três tendências de desenvolvimento da conjuntura brasileira para os próximos anos: 1) estagnação da economia; 2) centralização de capital mediante, por um lado, ampliação de bilionários e, por outro, falência de setores do capital – especialmente aqueles que empregam maior volume relativo de trabalhadores; e 3) continuidade da ampliação do abismo social – desemprego, baixa de salários, pobreza, violência, fome, etc. – permanecendo todas as formas de agressão contra a classe trabalhadora – manutenção das contrarreformas.
Diante disso, nenhuma confiança pode ser depositada na possibilidade de mudar esse quadro com base em acordos com a burguesia. Ela é a principal interessada em manter essas tendências em desenvolvimento. Também não há que alimentar nenhuma ilusão na forma política parlamentar ou presidencial, como se esta pudesse alterar a atual correlação de forças desfavorável à classe trabalhadora. A energia de um partido que queira realmente incidir na realidade em favor da construção da revolução e do socialismo, portanto, deve se dar na necessidade de mobilização, organização e politização da classe trabalhadora.